Crônica: Sexta-feira estafante, por Rodrigo Alves de Carvalho
Voltava cabisbaixo e arqueado para casa, após sair do trabalho naquela sexta-feira.
Quando não vou com meu carrinho para o trabalho (que não é muito longe de onde moro), vou a pé e levo comigo uma mochila às costas onde enfio uma garrafa térmica com café e um pequeno guarda-chuva, caso o tempo vire de uma hora para outra.
E mesmo que eu tome todo o café durante o dia, na volta para casa, a mochila parece pesar mais do que de manhã. Deve ser pelo cansaço de um dia estafante numa sexta-feira, por isso, voltava cabisbaixo e arqueado.
E antes que questionem, prefiro sim, ir a pé, pois é obvio, muito melhor economizar no combustível, além de exercitar um pouco o corpo, mesmo andando com as costas arqueadas.
O único problema é voltar para casa a pé em dias estafantes, principalmente às sextas-feiras.
No caminho, alguém me chama. Uma voz de mulher. E nesse mesmo instante deixo aquela posição arqueada em que me conduzia e fico com o corpo ereto.
Observo lá na esquina, uma moça que não me era estranha, e vem seguindo até minha direção.
— Parece a Andréia. – Digo a mim mesmo.
— É ela sim. A Andréia estudou comigo no primário, deve ter a minha idade, mas, a não ser por aceno de cabeça e um oi, de vez em quando, nunca chegou a conversar comigo desde aquela época de escola.
A mulher vem caminhando com um discreto sorriso no rosto, enquanto eu fico parado e em meus pensamentos, próximo a uma pequena padaria na mesma calçada.
— O que será que a Andréia quer comigo? – Estava curioso e um tanto quanto nervoso, pois a mulher era bem bonita, mesmo tendo a minha idade, pois vivia em academia e praticava beach tennis.
— Pelo que sei, na última vez que vi seu Facebook, não constava mais em seu status “em relacionamento sério”. Tenho quase certeza que está solteira.
Ela vem se aproximando (e eu pensando).
— Eu namoro com ela. Claro que não tenho a condição financeira do antigo namorado, mas também, na nossa idade, temos mais é que aproveitar a vida…
Ela me observa ali parado e sorri mais uma vez.
— Acho que ainda poderemos ter ao menos um filho. Não somos tão velhos assim. Poderemos ser felizes!
A mulher finalmente chega, passa por mim e entra na padaria, onde abraça um sujeito que estava na porta do estabelecimento, esse tempo todo, a esperando.
Tento disfarçar, finjo que estou procurando o celular nos bolsos (mas o celular estava na mochila) e logo depois, me coloco na posição arqueada novamente e sigo andando cabisbaixo, por aquela calçada da vergonha, numa sexta-feira estafante.
RODRIGO ALVES DE CARVALHO nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta, possui diversos prêmios em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas promovidas por editoras e órgãos literários. Atualmente colabora com suas crônicas em conceituados jornais brasileiros e Blogs dedicados à literatura.
Em 2018, lançou seu primeiro livro intitulado “Contos Colhidos”, pela editora Clube de Autores. Trata-se de uma coletânea com contos e crônicas ficcionais, repleto de realismo fantástico e humor. Também pela editora Clube de Autores, em 2024, publicou o segundo livro: “Jacutinga em versos e lembranças” – coletânea de poemas que remetem à infância e juventude em Jacutinga, sua cidade natal, localizada no sul de Minas Gerais. Em 2025, publicou o terceiro livro “A saga de Picolândia” – série de relatos sociopolíticos acontecidos em Picolândia – uma pequena cidade do interior, cuja sua principal fonte de renda é a produção de sorvetes. Com um tom humorístico e irônico, com uma pitada de realismo fantástico, a obra reúne diversas crônicas engraçadas narradas por um morador desta cidade.