Crise hídrica em Itapira vai além do calor e revela colapso no tratamento de água
A crise no abastecimento de água em Itapira, que se agravou desde a véspera e o dia de Natal, escancara um problema estrutural que, segundo fontes internas do próprio Serviço Autônomo de Água e Esgotos (SAAE), já vinha sendo anunciado há tempos.
A falta d’água em diversos bairros não é resultado apenas do calor intenso ou do aumento pontual do consumo, mas de um sistema que opera no limite e sem margem para falhas, fruto de decisões consideradas equivocadas na condução da política pública de saneamento conduzida pelo prefeito Toninho Bellini.
Em entrevista exclusiva à Gazeta, um servidor do SAAE, que pediu anonimato por receio de retaliações, revelou um cenário preocupante dentro da autarquia. De acordo com ele, a atual Estação de Tratamento de Água (ETA) trabalha hoje no máximo de sua capacidade, tratando cerca de 400 litros por segundo, volume que já não é suficiente para garantir a recuperação dos reservatórios da cidade.
Segundo a fonte, anos atrás a situação era completamente diferente. A cidade conseguia operar com tranquilidade, os reservatórios chegavam a ficar totalmente cheios durante a madrugada e, em alguns períodos, era até necessário reduzir ou interromper o bombeamento por falta de espaço para armazenar a água tratada.
Hoje, o sistema funciona 24 horas por dia, sem interrupção, e ainda assim não consegue elevar os níveis dos reservatórios além de patamares considerados críticos.
Atualmente, a maioria dos reservatórios do município opera em torno de 60% de sua capacidade. Em dias mais frios, esse índice pode chegar a 80%, mas basta uma sequência de temperaturas elevadas para que o sistema entre em colapso. O quadro mais alarmante, segundo a fonte, é o do reservatório do Santa Bárbara, que chegou a operar com apenas 26% de sua capacidade, colocando em risco o abastecimento de bairros como Campo Belo, Santa Bárbara, Santa Fé e Recanto da Mata.
Outras regiões também apresentam níveis preocupantes. Os reservatórios dos Prados e da Vila Ilze operam em torno de 54%. Em ambos os casos, qualquer aumento mais intenso no consumo, especialmente nas áreas mais altas, pode resultar em falta d’água, cenário que tem se repetido principalmente no período da tarde.
A fragilidade do sistema ficou ainda mais evidente após uma interrupção causada por um problema externo. Um transformador da CPFL explodiu nas proximidades do reservatório dos Prados, afetando diretamente o funcionamento de um elevatório responsável por enviar água para o bairro. O resultado foi imediato: paralisação no abastecimento e dificuldade extrema para recuperar os níveis dos reservatórios, mesmo após o restabelecimento da energia.
De acordo com o servidor, o grande problema não está na captação. O Ribeirão da Penha, principal manancial que abastece a cidade, ainda tem capacidade e é considerado suficiente para atender Itapira.

O gargalo está no tratamento.
A ETA atual não consegue receber nem processar um volume maior de água. Qualquer tentativa de aumentar a vazão resultaria em desperdício, com água transbordando antes mesmo de ser tratada.
Esse cenário transforma qualquer falha técnica em um risco imediato. “Uma bomba queima, um motor apresenta defeito ou ocorre uma parada inesperada, e o sistema entra em colapso. Recuperar os reservatórios é um processo lento e difícil, principalmente com o consumo elevado e a cidade crescendo sem que a infraestrutura acompanhe esse avanço”, explicou a fonte.
Internamente, segundo o relato, o SAAE tem realizado manobras diárias para tentar equilibrar o sistema, fechando parcialmente setores que apresentam níveis um pouco mais elevados para direcionar água a regiões mais críticas. Ainda assim, a estratégia é considerada paliativa e insuficiente diante da realidade atual.
A fonte é categórica ao apontar a solução: a construção de uma nova Estação de Tratamento de Água, seja compacta ou de alvenaria, além da ampliação da capacidade de reservação em pontos estratégicos da cidade. Regiões como Campo Belo, Penha do Rio do Peixe e Braz Cavenaghi, que cresceram significativamente nos últimos anos, necessitam urgentemente de novos reservatórios.
Outro fator que agrava a crise são as perdas no sistema. Embora vazamentos visíveis sejam corrigidos sempre que identificados, há uma grande quantidade de perdas invisíveis, que só poderiam ser detectadas por meio da contratação de empresas especializadas em pesquisa de vazamentos. Essas perdas, somadas ao consumo elevado, reduzem ainda mais a eficiência do sistema.
Apesar desse diagnóstico técnico, o prefeito Toninho Bellini segue apostando em um projeto considerado controverso por especialistas e servidores: o investimento de cerca de R$ 30 milhões para trazer água do Rio do Peixe por meio de quilômetros de tubulações que devem cortar grande parte da cidade. Para a fonte ouvida pela reportagem, a medida não resolve o problema central.
“Não adianta trazer mais água se não existe capacidade de tratamento. Hoje a ETA já está no limite. Qualquer volume adicional simplesmente não será tratado”, avaliou.
Enquanto isso, a comunicação oficial do SAAE atribui os problemas à onda de calor e ao aumento do consumo. Em nota divulgada nesta terça-feira, 30, a autarquia informou que falhas técnicas afetaram o abastecimento em bairros da região do Santa Bárbara e pediu o apoio da população para o consumo consciente.
Na prática, porém, a falta d’água registrada desde o período do Natal revela uma crise mais profunda, que vai além de fatores climáticos. Trata-se de um sistema que opera no limite, sem investimentos estruturais no tratamento, e que depende da sorte para não entrar em colapso total.
Um cenário que, segundo quem conhece a rotina interna do SAAE, exige decisões urgentes — sob o risco de a cidade enfrentar crises ainda mais severas nos próximos períodos de calor.



