Ainda sonho com Pripyat, por Guilherme Reis
Era abril, e o céu parecia cansado.
Tinha um silêncio esquisito no ar.
Mamãe fechava as janelas apressada,
mas ninguém sabia o que ia chegar.
Na escola, deixei meu caderno aberto,
com um desenho meu e da minha irmã.
O sol que rabisquei ficou lá dentro,
preso pra sempre naquela manhã.
Disseram: “Três dias e voltamos”,
mas nunca mais voltei pro meu lar.
Meu casaco, minha boneca, meu rádio,
ficaram pra sempre a esperar.
Meu pai era bombeiro. Correu pro reator.
Nem máscara, nem medo, só coragem.
Voltou no fim do dia, pálido, suando…
e nos deixou pouco tempo depois.
A cidade virou fantasma tão rápido.
A roda-gigante nem chegou a rodar.
Na feira, as maçãs ainda estavam frescas
quando os trilhos nos mandaram pra longe de lá.
Os cães latiram por dias, sozinhos.
As flores murcharam sem ninguém ver.
E os homens de máscara, os liquidadores,
pagaram com o corpo por não nos esquecer.
Hoje, Pripyat vive só na lembrança,
nas fotos amareladas e em sonhos meus.
Sinto falta do cheiro do pão da vizinha,
e do jeito que minha avó falava com Deus.
Às vezes, à noite, fecho os olhos e volto:
ouço risos no pátio, passos na escada,
vejo minha irmã correndo no bloco…
como se a explosão nunca tivesse sido nada.
Mas aí acordo, e tudo é silêncio.
Só a saudade ainda brilha, acesa,
como o fogo que ardeu invisível,
sem cor, sem cheiro, sem tristeza.
E mesmo que o tempo siga correndo,
um pedaço de mim ficou pra trás.
Na terra ferida mora a saudade,
e chove silêncio onde havia calor.
Este texto foi escrito por Guilherme Reis, um autor itapirense que gosta de explorar temas variados em sua escrita, desde o amor até a ficção científica, sempre com um toque criativo e reflexivo.
Para conhecer mais obras e mergulhar em diferentes universos literários, visite as páginas abaixo:
Instagram: https://www.instagram.com/el_guigs_
Site: https://giagogti.wixsite.com/copo-sujo