Gazeta Itapirense

Um crime contra a fé: furto da imagem original de N.S da Penha completa 30 anos

O furto de um símbolo de fé e identidade marcou profundamente a história recente de Itapira e permanece vivo na memória da comunidade católica até hoje. Em 1995, a cidade foi surpreendida com o desaparecimento da imagem original de Nossa Senhora da Penha, padroeira do município, retirada de dentro da Igreja Matriz em um crime que mobilizou autoridades, fiéis e gerou grande comoção popular.

A imagem sacra, com mais de 200 anos de história, fazia parte do patrimônio religioso e cultural de Itapira desde os primórdios da cidade, fundada em 1820. Esculpida em madeira, em estilo barroco, a imagem era considerada de valor histórico incalculável, muito além de qualquer avaliação financeira, por representar a devoção, a fé e a identidade de gerações de itapirenses.

O furto foi percebido no dia 27 de dezembro de 1995, por volta das 13h, quando uma religiosa que prestava serviços na igreja notou que o nicho onde a imagem ficava havia sido arrombado e estava vazio. A notícia se espalhou rapidamente e causou indignação e tristeza entre os moradores, especialmente por ter ocorrido poucos dias após as celebrações de Natal, período de grande significado para os fiéis.

Imagem de um jornal da época mostra o nicho aberto e sem a imagem histórica (Divulgação)

De acordo com registros da época, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Penha havia permanecido aberta até a madrugada do dia 25, em razão da celebração da Missa do Galo. Na manhã seguinte, o templo voltou a funcionar normalmente e nada de anormal havia sido notado. A suspeita é de que o furto tenha ocorrido entre o final da manhã e o início da tarde do dia 27.

A Polícia Civil de Itapira iniciou as investigações por meio do Serviço de Investigações Gerais, sob comando do delegado José Roberto Huszar, responsável à época. Equipes chegaram a comparecer ao local, assim como peritos do Instituto de Criminalística de Mogi Guaçu, mas a coleta de impressões digitais foi prejudicada, já que o local do nicho havia sido tocado por diversas pessoas após a constatação do crime.

Testemunhas relataram que três pessoas foram vistas em atitude suspeita dentro da igreja, sentadas em um banco em frente à imagem, pouco antes do desaparecimento.

Segundo uma religiosa ouvida na ocasião, os indivíduos demonstraram nervosismo ao perceberem que estavam sendo observados. Um deles teria sido reconhecido e teve o nome repassado à polícia, mas, mesmo com as diligências, o paradeiro da imagem nunca foi esclarecido.

O então pároco da igreja, padre José Eduardo Sartori, destacou à época que a imagem não possuía valor comercial significativo, já que não era revestida de ouro ou prata e pesava cerca de três quilos. Ainda assim, ressaltou que seu valor espiritual e histórico era imensurável. Para ele, o furto representava uma perda irreparável para a comunidade católica, pois a imagem era símbolo da fé do povo itapirense e da história da cidade.

Segundo o sacerdote, até 1985 a imagem permanecia exposta sem qualquer tipo de proteção, quando foi instalada uma moldura de vidro para garantir maior segurança. Mesmo assim, jamais se imaginou que um furto pudesse ocorrer dentro da própria igreja. A base do nicho trazia uma inscrição em homenagem à padroeira, lembrando os cem anos da imagem em Itapira, comemorados em 1920, reforçando ainda mais seu valor simbólico.

O caso teve ampla repercussão na imprensa regional e estadual, sendo noticiado por jornais, emissoras de rádio e televisão. A comoção foi tamanha que o desaparecimento da imagem passou a ser tratado como uma ferida aberta na memória religiosa da cidade. Apesar das investigações e das esperanças de recuperação, a imagem original de Nossa Senhora da Penha nunca foi localizada.

Décadas depois, o furto segue como um dos episódios mais emblemáticos da história de Itapira, lembrado não apenas como um crime contra o patrimônio, mas como um ataque direto à fé e à identidade cultural da população.

Para os devotos, a ausência da imagem original ainda representa uma perda profunda, reforçando o vínculo espiritual com a padroeira e a importância de preservar a história e os símbolos que moldam a identidade da cidade.

Três décadas após o furto da imagem original de Nossa Senhora da Penha, padroeira de Itapira, novas informações ajudam a reforçar a importância histórica e religiosa da relíquia levada da Igreja Matriz e a esclarecer circunstâncias que antecederam o crime, considerado um dos episódios mais marcantes da história da cidade.

 

Igreja hoje é 100% monitorada

O atual pároco da Matriz, João Gonçalves, ao relembrar o caso, revelou que havia registros antigos alertando para a vulnerabilidade da imagem, muito antes do furto ocorrer. No início da década de 1980, o então padre Zé Júlio, que chegou a atender simultaneamente as paróquias de Santo Antônio e Nossa Senhora da Penha, deixou registrado em livro oficial da paróquia que a imagem ocupava um local inadequado, de fácil acesso e suscetível a roubo.

“Ele escreveu no tomo da paróquia que essa imagem de Nossa Senhora da Penha era muito importante para o povo de Itapira e que estava num nicho inadequado, muito fácil de ser roubado. Isso ficou registrado, mas nenhum padre se preocupou com isso”, afirmou o sacerdote.

De acordo com o pároco, após a saída do padre Zé Júlio, outros religiosos passaram pela paróquia, mas a situação da imagem permaneceu a mesma. “Depois dele veio o padre Nardim, já de idade avançada, depois o padre Lima, que ficou alguns anos, e mais tarde o padre José Eduardo. Logo no primeiro ano dele aqui, a imagem foi furtada, porque ninguém tomou o cuidado de colocá-la em um local protegido”, relatou.

O padre destacou ainda que a imagem furtada não era apenas um símbolo religioso, mas uma verdadeira relíquia ligada diretamente à fundação de Itapira. “Essa imagem veio de Portugal com o fundador da cidade, da família do senhor João Gonçalves de Moraes. Ela fazia parte da devoção da família e depois foi doada à Igreja”, explicou.

Padre João ao lado da imagem que substituiu a original: “A gente sempre tem esperança, mesmo que seja pouca” (Foto: Gilmar Carvalho/Gazeta)

Segundo ele, inicialmente a imagem permaneceu na residência do fundador onde fiéis começaram a se reunir para rezar o terço. “Foi em torno dessa imagem que o povo começou a se unir. As pessoas iam até a casa dele para rezar, e daí nasceu a devoção a Nossa Senhora da Penha em Itapira”, contou.

Com o crescimento da devoção, a família de João Gonçalves de Moraes formalizou a doação da imagem e também de terras à Igreja. “Tenho a escritura da doação da imagem e das terras que formaram o centro da cidade. Está tudo registrado. Essa imagem era uma relíquia e foi exatamente essa que foi levada”, afirmou o pároco.

A imagem permaneceu por cerca de 175 anos em Itapira antes de ser furtada. “Ela é muito antiga, veio de Portugal, faz parte da fundação da cidade. Foi essa imagem que ficou por todo esse tempo e que acabou sendo furtada”, reforçou. Após o furto, uma nova imagem foi colocada no local, decisão tomada pelo então padre José Eduardo.

Atualmente, a Igreja Matriz conta com sistema de monitoramento e outras medidas de segurança. “Hoje temos câmeras, a igreja é protegida”, explicou.

Questionado sobre a possibilidade de a imagem original ainda ser recuperada, o pároco disse manter a esperança. “Um dia, quem sabe. A gente sempre tem esperança, mesmo que seja pouca”, concluiu.