Gazeta Itapirense

Crônica: O apostador que não queria ganhar, por Rodrigo Alves de Carvalho

Afonso fazia sua fezinha na Mega-Sena toda semana. Entretanto, Afonso não apostava em todos os concursos para concorrer aos sorteios porque queria acertar as seis dezenas e ficar milionário; na verdade, Afonso não queria ganhar.

Afonso sabia que sua chance de acertar as seis dezenas, apenas com uma aposta simples seria de uma em 50.063.860, ou seja, 0,000002%. Por isso, para ele, a previsibilidade era não acertar e ganhar a bolada.

E aí que estava a questão, Afonso era uma pessoa que buscava sempre viver sua vida dentro do previsível, ou seja, não gostava de se arriscar e correr o risco de saber que poderia perder, mesmo que perder, neste caso, seria ganhar. Dessa forma, saber que ao apostar na Mega-Sena e ter uma chance irrisória de ganhar, estava dentro de sua expectativa de não ganhar. Ele sabia que isso iria acontecer.

— Se eu apostar e ganhar, vai ser uma situação imponderável para mim, e dessa forma, eu estarei cometendo um erro! Mas tenho certeza que não vou ganhar — Justificava Afonso ao ser questionado do porquê apostava, sendo que não tinha a perspectiva de ganhar a bolada principal.

— Mas se você não quer ganhar, é só não apostar. Isso seria ponderável! — Diziam aqueles que ficavam sabendo das pretensões de Afonso.

— Isso eu já sei — dizia Afonso — Porém, sei também que o imponderável é acertar, e dessa forma para mim, prefiro a imprevisibilidade de saber que não vou ganhar apostando, do que não apostando. Para mim, isso é mais ponderável.

Muitos não entendiam nada das explicações de Afonso. Outros achavam as ponderações contraditórias e sem nexo e também tinham aqueles que achavam que Afonso dizia aquilo só para disfarçar sua má sorte.

Afonso continuou apostando por muitos anos o mesmo jogo simples de seis números, e por muitos anos comemorou não ter acertado as seis dezenas.

Contudo, certo dia, as dezenas sempre apostadas por Afonso foram sorteadas e a cidade ficou em polvorosa ao saber que o imponderável havia acontecido com o apostador que não queria ganhar.

Afonso estava tranquilo, quando descobriram que o acertador da cidade havia rasgado o bilhete premiado.

Agora, Afonso continua apostando, mas não mais na Mega-Sena, e sim, na +Milionária, que tem a probabilidade de acerto de um em 238,3 milhões, e a previsibilidade de não ganhar é bem maior.

 

RODRIGO ALVES DE CARVALHO nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta, possui diversos prêmios em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas promovidas por editoras e órgãos literários.  Atualmente colabora com suas crônicas em conceituados jornais brasileiros e Blogs dedicados à literatura.

Em 2018, lançou seu primeiro livro intitulado “Contos Colhidos”, pela editora Clube de Autores. Trata-se de uma coletânea com contos e crônicas ficcionais, repleto de realismo fantástico e humor. Também pela editora Clube de Autores, em 2024, publicou o segundo livro: “Jacutinga em versos e lembranças” – coletânea de poemas que remetem à infância e juventude em Jacutinga, sua cidade natal, localizada no sul de Minas Gerais. Em 2025, publicou o terceiro livro “A saga de Picolândia” – série de relatos sociopolíticos acontecidos em Picolândia – uma pequena cidade do interior, cuja sua principal fonte de renda é a produção de sorvetes. Com um tom humorístico e irônico, com uma pitada de realismo fantástico, a obra reúne diversas crônicas engraçadas narradas por um morador desta cidade.